sábado, 31 de maio de 2014

porvir
(Carlos Pedala)

Na Rua da Alfândega intuo
cada instante da vida é começo
o tempo a nos embalar em seu ócio
o dom de iludir é seu negócio
sei não haver remédio pro mal do qual padeço
mas não há porque se sentir beócio
por mais que cuidemos há o inevitável tropeço
e o que quero guardar é o que mais esqueço  
façamos o futuro nosso sócio
estejamos prontos pra o que aconteça
o melhor ainda estar por vir
mudamos o passado no devir
é aqui e agora que a vida recomeça
sublime música vamos ouvir
o único destino é o porvir... 

sexta-feira, 30 de maio de 2014

de existir
(Carlos Pedala)

olho a menina
na rua da alfândega
ela é tão linda
vem de Marechal Hermes
o seu sorriso é de lugar que não há
a rua com ela é além de Paris
ou de outro melhor país
o tempo é vestido de ser feliz
veio aqui se preparar
pra brilhar e festejar seu alegre alegrejar
tem pouco menos de cem reais
e o mundo inteiro aos viés de seus pés
mal sabe ela da vida
e a vida pouco sabe dela
e a maravilha da ilusão de ser feliz
nela e somente nela
nunca haverá deixar de existir ...


quinta-feira, 29 de maio de 2014




para isso
(Carlos Pedala)

tenho logo cedo
certo medo de escrever
estranho arremedo de poetas portugueses
gritos direto de Portugal
leio e creio
trago comigo lembranças da Rua da Alfândega
por ser mais próxima
enquanto soletro poemas das adegas de Lisboa
lembro-me das bandeirinhas do Brasil
enfeitando os céus dessa minha rua
a dizer-me do tempo (voa)
tão cheias de significados
o céu nublado e certo frio
convite para bom vinho
mas deixo essas coisas de ser feliz
para outrem
ainda não ando tão bem inspirado para isso... 


quarta-feira, 28 de maio de 2014

nos trilhos do Metrô
(Carlos Pedala)

no buraco da Presidente Vargas
alguém dá o recado
está tudo parado
alguém se jogou ou foi jogado nos trilhos
todos os trens estão suspensos
volto à Rua da Alfândega
de certa forma, lá, me sinto protegido
fico imaginando a pessoa nos trilhos
seria conhecida?
o que leva o sujeito a esse ponto
tentarei pegar um táxi na Buenos Aires
preciso estar no Largo do Machado às cinco
não consigo um carro
maldito prefeito, sistema maluco de trânsito
não sei nunca em que lado da rua devo fazer sinal
nem onde param os ônibus
esse caos contribui para a pessoa
se atirar nos trilhos do Metrô... 
exposição
(Carlos Pedala)

na Rua da Alfândega
a chuva recolhe as mercadoria
cria goteiras nos olhos
das quais as pessoas procuram
fugir
surgem pregadores de guarda-chuvas
a procura de almas
ganham seus minutos de fama
sombrinhas e capas de chuva
são apregoadas a plenos pulmões
pregões do comércio
o movimento de pessoas diminui
bem como as vendas
desolados, vendedores sonham
com tempos melhores
enquanto plásticos incolores encobrem
as cores das mercadorias que insistem
em se expor...

terça-feira, 27 de maio de 2014

como se assim fosse
(Carlos Pedala)

a Rua Senhor dos Passos
é paralela
à Rua da Alfândega
nelas todos os dias milhares de pessoas
passam
poucas seguem seus caminhos
a maioria procura
satisfazer necessidades
e outras tantas estão ali
trabalhando para satisfazer essas ânsias
as mercadorias são a matéria
para preencher desejos
suas cores, seus preços, seus designers
são trocadas por dinheiros
ou promessas de pagamentos em cartões de crédito
tudo isso acontece em plena luz do dia
olhamos assim,
como se assim sempre fosse
como se assim fosse a coisa mais normal do mundo... 

segunda-feira, 26 de maio de 2014

invulgar
(Carlos Pedala)

a Rua da Alfândega tem história
portugueses, libaneses, judeus, chineses
fazem seu comércio popular
no dia a dia dela
estica-se o orçamento
das donas de casas
gente dos mais diversos lugares do Rio
se desloca para lá
o Armarinho Dois Irmãos Ltda.
(um exemplo)
e outros tantos
atravessam planos econômicos
valorizando nosso dinheiro
guiando-se pelas leis do comércio secular
pra lá a “elite” nem tem olhos
mas ao ver com mais cuidado
veremos no jeito de ajeitar
  itens e cores uma forma invulgar... 
en passant
(Carlos Pedala)

a Rua da Alfândega é camaleão
as cores mudam
ao humor da multidão
e as pessoas são parte do enfeite
em dias nublados
há tempo de contemplar vitrines
as freguesas bebem Coca-Cola
com receitas do oriente-médio
garimpando o sublime
lá a velocidade varia
conforme à época e o hora
definitivamente não há espaço
pra divagações existenciais
na Rua da Alfândega
é mais importante o preço
no meio de tantas coisas
a gente en passant
por ali...

domingo, 25 de maio de 2014

nem tenho dito
(Carlos Pedala)

tenho dores que desconheço
problemas a que não me pertenço
nem sei por onde ir
sobram em mim versos
e dor de emudecer
dos quais procuro me desfazer
sendo isso aquilo que não tem preço
às vezes sou assim
às vezes não me mereço
e se é nisso que eu quero crer
é no que quero crer
o que não pode ser
não pode ser
se me repito
é porque mais
nem tenho dito de dizer...  
bilhete
(Carlos Pedala)

a melancolia não interessa
nem a mim 
recado e mandamento
sofrimento
frase martelada
às quatro horas
barulho de chuva
Rua da Alfandega
deserta, sozinha, molhada
portas fechadas
sem ninguém (a não ser eu)
pelas calçadas
palavras num bilhete de despedida
guardadas no livro de poemas,
sumidas
se foram da estante
fugidas
junto ao que nunca mais ouvi...

sábado, 24 de maio de 2014

boa oferta
(Carlos Pedala)

lá está ele de novo
arrumando bolsas
alisando as mercadorias
diz trabalhar desde os treze
já faz algum tempo
mas gosta do patrão
fala com voz segura
doce, sem amarguras
disposto, atento
afinal, a freguesia tem sempre razão
orgulhoso
mora em casa de tijolos
falta acabamento
falta embolsar
(cobrir os tijolos com cimento)
de segundo à sábado por ali
vendo o desfilar dos passantes
atentos, espreitando uma boa oferta... 
espaçamentos
(Carlos Pedala)


na Rua da Alfândega
as lojas fecham
sumindo a humanidade
restam as fachadas
de antigos sobrados
com dedos enrugados de idade
insinuando solidão
ficam anúncios apregoados
ecoando constelação
na rua estreita
(se bem que acima)
unicamente a cor azul do céu
em labirintos
em becos de imaginação
portões de aços
marrons e cinzas
tomam os espaçamentos
sem a mínima consideração... 

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Rua da Alfândega
(Carlos Pedala)

na Rua da Alfândega
há momentos
em que as pessoas
são felizes
naquele universo multicolorido
o vai e vem da multidão
dos pregoeiros
chamando-nos para as ofertas
o infinito nas mercadorias
em determinado momento
feito numa orgia  
a sensação da felicidade
está ali ao alcance da mão
tão barata, tão fácil, tão tangível   
que podemos nela penetrar...


quinta-feira, 22 de maio de 2014

Google
(Carlos Pedala)

o poema pra mim
foi sempre
um algo mais
talvez muito mais  
até mais que o Google
bem antes do Google existir
eram algumas palavras
às vezes apenas uma
aquela palavra chave
para mundo inteiro se abrir... 

quarta-feira, 21 de maio de 2014

monopólio
(Carlos Pedala)

sei que o mundo
não tem sentido algum
e nada faz sentido
não obstante,
esbarro em coisas por onde passo
nem tão profundo
sou
no entanto,
gostaria de avisar para aquele sujeito
tão convicto
com os passos firmes
- isso não vai adiantar nada!
de nada adiantará ficarmos nos escondendo
nessas invenções
o tempo é o dono desse monopólio...
metade de mim
(Carlos Pedala)

um eletrodoméstico
desses bem banais
comprado em prestações
de menos de vinte reais
em um acidente casual
rasgou minha alma ao meio
tal evento não é nada impessoal
e agora o que será?
virá alguém me resgatar?
deve existir a cura
em um lugar
no infinito universo sideral
talvez alguém pronto pra me socorrer
desse existir partido

em metade de mim... 

terça-feira, 20 de maio de 2014

de dentro de nosso olhar
(Carlos Pedala) Para Pedro Sena

uma hora assim
tão pronta
com as suspeitas
do por detrás da porta
no universo do quarto
de onde nada escapa
de desejar da vida não essa coisa morta
da voz a dizer
de dormir apenas um mais um pouco mais
pra poesia poder ser levada
pra outro não lugar
que não aqui
enquanto a tarde nublada
desapareça
de dentro de nosso olhar...
naufrago
(Carlos Pedala)


a esperança
é
em remando
em avistando
em remando
every day
em um dia
em remando
vou me deparar
em algo que goste...
poemaços
(Carlos Pedala)

pretendo escrever
de dentro de mim
dois traços
tenho dores
tenho pescoço
ossos
e torcicolos e estragos e travesseiros
e tento lembrar sonhos
pesadelos
faço esforços  
nada vem à memoria
à cabeça  
nem sei, moço
meço de medir
o que estou esperançando  
riscarei palavras nuas
delas
comporei poemaços...


segunda-feira, 19 de maio de 2014

contadores
(Carlos Pedala)

no elevador
de aço escovado
(mais uma vez)
os contadores
discutem rotinas de trabalho
sem nenhuma angústia aparente
fechados no cúbico de metal
como se a vida não tivesse pressa
e pouco importassem  
se logo, logo
vier cobrar
seus custos...  
vazio assim
(Carlos Pedala)

nesse rio assim vazio
vou ficar aqui
nesse rio assim vazio
vou entrar
nesse rio assim vazio
vou tocar o céu
nesse rio assim vazio
se não for feliz assim
nesse rio assim vazio
mesmo assim
vou ficar assim
nesse rio assim vazio
quando nesse rio assim vazio
entrar no mar assim vazio
nesse rio e nesse mar assim vazio
vou ser assim rio e mar assim vazio... 
desabafo
(Carlos Pedala)

dói tudo no coração
sei que tem que ser assim
não tem outro jeito, não
(talvez um bom cirurgião)
a vida passa e não há solução  
antes do fim espero
dar um abraço no meu irmão
não tenho culpa
se o egoísmo foi o que brotou
das sementes que espalhei no chão
quem dera isso não fosse em vão
aprendi a mentir, ganhar dinheiro
e me passar de feliz nesse mundo cão
filho, infelizmente, já me disseram
não há remédio para depressão
olho as estrelas e só vejo a iluminação
ligo de novo em busca da religação
Deus, ouça com atenção
não consigo crer em religião...  

domingo, 18 de maio de 2014

para cá
(Carlos Pedala)

numa hora dessas
antes
de dormir
combinávamos coisas
de chegar ao fim
tipo
qual esporte praticar em casa
sem sair
algo tão frágil
pode se quebrar
pede para não me importar
dele ser assim
na escuridão das coisas
ouço a beleza  
e trago-a para cá... 
fuga
(Carlos Pedala)

sim, é verdade
há dias tão estranhos
(como alguns domingos)
a vida fica suspensa
corremos para ela
na ânsia de fazer tudo
e aproveitá-la
ou ficamos olhando pela janela
de qualquer forma
nesses dias
existe a impressão de fuga
é como se a vida
de algum modo
nos escapasse
sem poesia
e sem que possamos fazer nada
para impedir
essa fuga...



sábado, 17 de maio de 2014

das coisas
(Carlos Pedala)

com a igreja fechada
pegamos o Campo de Santana
vivenciamos o espaço
o verde, os animais  
vamos ao almoçar
no Coração de Maria
ao longe, as torres do pré-sal
monumentos de vidro
as logos são os guias
na biblioteca, vemos o céu
de noite e de dia
a vida tem um quê de incerteza
na alma  
nem sempre
é possível separar
o ser
das coisas...  

sexta-feira, 16 de maio de 2014

nem é tão pouco
(Carlos Pedala)

a poesia
em mim
exigiu fim
nada sobrou
pra mim
nessa sexta-feira triste
nenhum estranhamento
nada de absoluto
absolutamente
unicamente o fim
além do céu
e pouco depois do azul 
nenhum impossível sonho sobrou
nenhum samba na Lapa também
nada
apenas eu
e mais ninguém
a única coisa que sobrou pra mim
fui eu 
não é muito
nem é tão pouco assim... 
Selfie

água
na pedra a correr lisa
correria
crianças pela casa
alegria
quando ao seu lado
fria
entre seus pesadelos
manhãzinha
luz do dia
calmaria
remédio
doença da alma
tédio
selfie
autofotografia... 
existencialismo alemão
(Carlos Pedala)

azul é mais lindo
no céu da sua boca
no risco de cruzá-la
na nuvem de avião a jato
no supersônico mistério
na potência de palavra
na demora de ser
no tempo passado
quando não houver mais nada
e tudo houver sido
fico imaginando
o significado  
de nós na foto
junto ao meu primeiro
Wolksvagem... 

quarta-feira, 14 de maio de 2014

na dor
(Carlos Pedala)

a dor de existir
é pra doer
pra resistir
você assim a doer
é doer em mim
é sofrer
a combinação
é resistir
é esperar passar a dor
passar
depois será melhor
será melhor
é claro que será
será melhor
melhor será
será melhor pra mim
te ver sorrir
te ver chorar
por outras dores  
não doer  
em doer assim... 

terça-feira, 13 de maio de 2014

escuridão de quarto
(Carlos Pedala)

falta
completude
e falta
somente o silêncio
poderá dizer
da falta
nessa nuvem
em chegar até você
céu e mar azul
som de escutar sozinho
voa nuvenzinha
bem devagarinho
acaricia
voa pra lugar nenhum em mim
céu e mar azul
escuridão de quarto 
e fim... 
promessa
(Carlos Pedala)

sábado
vamos à Igreja de São Jorge
não ligue pras representações
e pras instituições
vamos exercer a fé
aprender a fé
vamos pedir a fé
humildemente
húmus na semente
é algo que move as montanhas
e move essa gente
estarei ao seu lado
vamos nos por de pé
pra ajoelhar
rezar
e que a prece nos leve
aonde tem que levar...


uma canção qualquer
(Carlos Pedala)

ao ouvir a canção
explode em mim
a uma parte que derrete
vira melancolia
massa de chiclete
depois, a alegria
que me faz sorrir
sem motivo aparente
em ser simplesmente
de estar contente
por estar contente
de fazer rimas fáceis
de gravar na mente
e assim prosseguir
aceitando o que é
porque tem que ser... 

domingo, 11 de maio de 2014

mito
(Carlos Pedala)

no poema  
o conflito
em mim
quando passo
fico
infinito fim
brecha
pedra bruta
espaço onde me repito
emudeço, mudo
e grito
limite onde escapo
reescrevo o dito
realidade
mito...


o sentido da vida
(Carlos Pedala) a Pedro Sena

qual o sentido da vida?
não consigo responder
e se não tiver nenhum
assim fácil de dizer

qual o sentido da vida?
a angústia que te dá
não veio do céu
é o que há pra entender

qual o sentido da vida?
pede a Deus com fé
pra ele preencher  
o vazio de viver em você

qual o sentido da vida?
nem sei o que falar
é questão tão estranha
veja as teias da aranha

qual o sentido da vida?
de nada adianta chorar
lágrimas não irão responder
sei lá, deixa ser, deixa pra lá  

qual o sentido da vida?
ouça o que sua mãe falou
vá se deitar e escute o que
as estrelas têm a dizer...

sábado, 10 de maio de 2014

um grande amor
(Carlos Pedala)

cedo
li dois versos
escrevi outros
fui de bicicleta até o porto
tirei fotos do protesto
vi a feira de antiquários na Praça XX
tirei fotos da estátua de Deodoro
(depredada)
roubaram-lhe a espada
subi o morro da Conceição
os ateliers fechados
tirei fotos lá de cima, sozinho
fui até à feira da Prainha
comprei um CD duplo de Wilson Batista
passei no CCBB e encontrei Pablo Picasso
assisti show de Elza Soares na TV
dormi
agora passa um filme de François Truffaut
reparando bem

sinto a falta de um grande amor...
o rei
(Carlos Pedala)

um pouco de ironia
me faria bem
um pouco de farpas nas minhas
linhas também
talvez com um pouco de farinha
e que as convecções
e as certezas aqui
se ferrassem
aqui ficassem presas
se machucassem
em suas pretensões
afinal, sou eu que escrevo
e nem sei se isso é poesia
mas pensando bem
aqui
eu sou o rei... 

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Elogio
(Carlos Pedala) a Luiz Fernando Hall

após o almoço
nos encontramos
casualmente
no décimo-terceiro andar
no Tribunal de Contas do Rio de Janeiro
em frente aos elevadores
ele diz que lê os poemas que escrevo
diz que gosta
e mostra pra filha
(ela tem dez anos)
e que por conta disso
a menina já está escrevendo poesia
nos despedimos e seguimos na labuta
isso foi há uns três dias 
só agora me dei conta
ser esse o maior elogio que já recebi...