quarta-feira, 25 de junho de 2014

Tio Lourenço
(Carlos Pedala)

apaguei palavras escritas
depois de dias hesitando
vi que não eram minhas
lembrei do Tio Lourenço
trabalhava com joias
era o irmão mais novo do papai
era o mais querido  
certa vez apareceu com anéis e brincos de ouro
porém, o que impressionou realmente
foi o carrinho do Batman
de dar corda, acendia luz de fogo na disparada
estava na cidade de Manaus quando faleceu
(sozinho)
aos trinta e três anos
vi meu pai chorar feito criança
nem sabia que adultos choravam
nunca mais vi um homem chorar daquele jeito...

sábado, 21 de junho de 2014

de Paris
(Carlos Pedala)

no intervalo do jogo
começo de ir embora
antes do tropeço em lugar comum
como qualquer lugar comum por perto
o mar trás e aplaude o cais
quando nele chega
a verdade do que sobrou 
enquanto a tarde cai
e o silêncio existente 
num muro que já nem existe mais
tão comum 
como aquilo que o mar aplaude quando dá no cais  
e aquele poema estranho
parece que fui eu quem fiz
bem que poderia ser uma rua de Paris
bem como poderia ser um poeta inglês
mas fui eu quem fiz
num lugar comum
tão aqui por perto
tão comum como se diz... 
manhãzinha
(Carlos Pedala)

essa manhã
inteirinha pra mim
minha
manhã, manhãzinha
manhã pra nada
nela, sem ninguém
tão só manhã
sem cheiros
sem sons lá de fora
sem silêncios
nem minha manhã
e só minha
desde bem cedinho
lã,  rã, Pã
divina manhã
e só...


quinta-feira, 19 de junho de 2014

inexplicáveis acidentes
(Carlos Pedala)

a fotografia é no passado
retratos dos momentos
as de família nos transportam no tempo
no nosso tempo mais íntimo
nossa memória afetiva  
nelas somos mais bonitos
somos mais jovens
somos mais felizes
apenas ao revê-las
nos damos conta do inexorável
o processo de registra o instante era outro
quem se lembra?
rolos eram revelados em laboratórios
lojas de revelação (extintas)
por diversas vezes, os negativos
por eventos incontroláveis
velavam e não revelavam nada
quanta felicidade se perdeu
por conta desses inexplicáveis acidentes...  

terça-feira, 17 de junho de 2014

que nem sei
(Carlos Pedala)

espero encontrar
esse contra-ponto
ao argumento
de que é bom esperar

as baleias passeiam
numa rota estelar
sem se preocupar
com o que será

no poema fica bem
se contradizer
sem ninguém esperar
sem nenhum porém

brinco de dizer
mas é bom parar
de tentar falar
aquilo que nem sei...


segunda-feira, 16 de junho de 2014

noite longa
(Carlos Pedala)

a noite se sustenta
na escuridão do céu
em outros planetas
naquilo que se afugenta

a noite se sustenta
na falta de sono
na cauda de um cometa
na luz da geladeira aberta

a noite se sustenta
em bocas aflitas
em línguas em luta
no gritos que nela adentra

a noite se sustenta
na frustração inaudita
nas pernas de uma puta
na dor que não se aguenta...  

domingo, 15 de junho de 2014

futebol
(Carlos Pedala)

é bola  pra lá
é bola pra cá
no campo as forças
jogam pra se desequilibrar
ocupar os espaços
escapar
as torcidas gritam
cantos ecoam
os deuses escutam
e também tentam influenciar
a glória e a derrota juntas
bola pra lá, bola pra cá
e a sorte solta voa
lúdica, criança, mágica
decidindo-se onde pousar... 

sábado, 14 de junho de 2014

celular
(Carlos Pedala)

na Rua do Lavradio
há bandeiras tremulando
penduradas em arcos do tempo
los hermanos bebericam cervejas
de olhos nos preços
com amigos comentamos os jogos
rimos da passagem dos anos
fazemos planos, conspirações
seremos campeões dos campeões
porém nada disso importa
política, ou a hora do trem
quando o celular  toca
onde estamos?
o porquê da demora?
chamando-nos pra ir embora
deixamos a dialética
o garçom nos traz a conta e a bicicleta...

sexta-feira, 13 de junho de 2014

abertura da copa
(Carlos Pedala)

após o jogo
vou partir
pois estou cansado
cansado do jogo
depois do jogo
lerei os jornais do jogo
após o jogo
verei o vt do jogo
para entender o jogo
depois do jogo
só ficarei aqui
para ler a sorte
de quem fez por merecer
que a bola entrasse lá
e não aqui
mas isso só após o jogo
se decidir... 

quarta-feira, 11 de junho de 2014

sempre
(Carlos Pedala)

sempre é palavra deserta
porque nela nada acontece
e se couber nela não apetece
nem a tarde é assim tão triste
nem é questão se Deus ou não existe
sempre é o que se aperta dentro dela
barulho no motor à manivela
sempre é aquilo que se espera
é tudo que a gente esquece
é o que vem assim que o dia amanhece
sempre é a casa da esperança
é o pai daquilo que nunca envelhece... 

terça-feira, 10 de junho de 2014

mentirosa
(Carlos Pedala)

ela diz  não gostar mais de mim
que não me tem mais amor
que tudo que fiz não tem valor
que na vida tudo tem um fim

ela diz  não gostar mais de mim
que comigo nunca mais gozou
que na verdade nem mesmo gostou
que a realidade é que pede o fim

ela diz não gostar mais de mim
que de tudo que compus pra ela
letras, frases, rimas mais belas
ela só guardou o que deu ruim

ela diz não gostar mais de mim
que não sabe mais sorrir
que era feliz antes de me conhecer
e na vida sofreu pra terminar assim... 

domingo, 8 de junho de 2014

esperar
(Carlos Pedala)

sei do existir
além desse apartamento
mas também não sei
há alguma coisa errada
talvez não devesse escrever nada
é perda de tempo
escuto velhos passos na calçada
posso sair
encontrar alguém com quem conversar
mas também não sei
vou fazer a barba
tomar um banho
e esperar... 
manhã de domingo
(Carlos Pedala)

no poema
a única coisa que importa
é o silêncio
escutado logo após o poema
o silêncio resiliente
entre as linhas das frases
entre os espaços das palavras
nem é tão difícil de ouvir
nada nos faz mais humanos
nada nos faz mais felizes
feito o sono
num domingo de manhã
após gozar dentro da mulher amada
e sentir os cheiros do amor
e ouvir o silêncio do silêncio
se espalhando por dentro do quarto
se entranhando nas gavetas,
nos armários, nas roupas
e a gente ali 
sem ter hora pra levantar.... 
em azul profundo 
(Carlos Pedala)

quando passo pelo Arcos da Lapa
indo trabalhar de bicicleta
escuto lá longe de mim
a batida de um tamborim
sei que a vida é cheia de enganos
escuto esse som vindo do céu
de algum botequim 
de algum samba de aluguel
e todos os cotidianos
do ir e vir da cidade
é a vida assim
lá longe, as torres de marfim
da Petrobras
e outras torres mais
da lógica desse mundo  
os Arcos da Lapa em branco
e lá bem mais alto
as nuvens se desmanchando em azul profundo... 

sábado, 7 de junho de 2014

torneio de futebol
(Carlos Pedala)

na superfície
da superfície das coisas
nos agarramos
no mundo de mercadorias
na Rua da Alfandega
amarelo e verde
e estranhamento
na Copa do Mundo do Consumo
todas as lojas são iguais
as bandeirinhas se escondem
brincam de não existem mais
as atendentes se divertem
se dizendo feias (lindas!) vestidas
de uniformes pra ocasião
um certo medo de cinquenta
da decepção
ou por constarmos tratar-se apenas
de um torneio de futebol...


sexta-feira, 6 de junho de 2014

se todos pudessem ver
(Carlos Pedala)

por ocasião da Copa do Mundo de Futebol
resolveram fazer uma vaquinha
para comprar televisão
cada um contribuiu com cinquenta
veio tv e antena
vinte e três pessoas participaram
poucos ficaram de fora
alegaram suas razões:
não tinham onde colocar mais tv
não iriam estar  por ali
só participariam se não houvesse sorteio
todos entenderam
afinal, ninguém é obrigado a dividir nada
a tv foi instalada em cima de armário
à vista de todos
como se todos pudessem ver... 

quinta-feira, 5 de junho de 2014

pra lá de algum lugar
(Carlos Pedala) Para Matilde Campilho

sou o sufoco
de manhã
saiu nas ruas
cavalgando cavalos marinhos
o mar passou por aqui
preenchendo elos 
os sons dos martelos
nos apartamentos vizinhos
medem a pressão das artérias
aéreas janelas
no meio 
encontro-me
só e sozinho
no meu amanhã
sou outro  
no passaporte
há um visto
de ternura
pra lá de algum lugar...


quarta-feira, 4 de junho de 2014

imaginação infinita
(Carlos Pedala)

ela é toda tão certa
é muito correta
pra ela é assim
nem sei se ela sabe, sou poeta
é um jeito de ser
(minha pretenção é essa)
é o que quero, é meu querer
o rio a correr no leito
ela daquele jeito
eu assim
não sei com quem se deleita
quando fecha a porta
quando tira a roupa
ela tão solta
tão bonita
tão correta
eu, poeta
de imaginação infinita...


amor, ordem e progresso
(Carlos Pedala)

o tempo escapa veloz
sem deixar vestígios pra trás 
e o martelo bate aqui perto 
e outros barulhos mais 
e de dentro do poema vem 
o cheiro do mar a me consolar 
passa o carro de som com o reclame das Lojas Americanas 
irei lá pra comprar chocolates 
mas pretendo antes passar na Rua da Alfândega
ver a algazarra feliz das compras 
o verde e amarelo do meu país 
e as cores da Seleção Brasileira de Futebol 
vou pintar as ruas e passar verniz 
sentimentos não peço  
só quero na bandeira escrever 
já dizia Noel, o verdadeiro ideal:
amor, ordem e progresso..

terça-feira, 3 de junho de 2014

Ilusão de felicidade
(Carlos Pedala)

aguardei um tempão
o poema que não vinha
queria encontrar nele
a alegria de dia de compras
na Rua da Alfândega
com bungigangas e porcarias
dessas que não servem pra nada
mas nada mesmo
tipo uma corneta de fazer barulho
(vuvulzelas?)
sem nenhuma outra função
além de iludir-nos de felicidade... 

domingo, 1 de junho de 2014

a tua voz
(Carlos Pedala)

do nada entre nós
a única coisa que sobrou
foi a tua voz
cachorrinha ou feroz
de teu mau hálito, nada ficou
na lembrança nenhuma imagem do amor
se foi aquilo que houve entre nós
mas ressoa frase ou coisa que você falou
na ressaca do mar que a cama se transformou
tua voz
a sussurrar  
quebrou o celular e o espelho do quarto
em mim doeu a tua voz
nas recordações
inexisti letra ou música das nossas canções
no silêncio das manhãs
levanta voo e voa
a tua voz
nos cheiros, gozos e gritos daqueles lençóis
em noites de não, não põe nunca mais
passeia entre nós
a tua voz...