domingo, 30 de junho de 2013

O PAI

O pai
(Carlos Pedala) Para Letícia

Na certidão de nascimento dela
Constam o nome da mãe
E dos avós maternos
Ela tem três anos de muita vida
Quem a conhece fala:
- Que menina linda!
De fato ela é bem esperta
Sabe o nome do próprio pai
E me pergunta:
- Você é o pai? 

sábado, 29 de junho de 2013

EFEITO MORAL

Efeito moral
(Carlos Pedala)

Fica ali por perto
Atento, alegre, amigo
Esperto
Cumprimenta a todos com bom dia

Disfarça seu ódio
Nem para si admite
Administra as doses do veneno
Mina a vida do outro quase por dentro

Observa os efeitos
Traz o inimigo a descoberto, sitiado
A fala mansa disfarça a malícia
A maledicência

O mundo de aparência
É a essência
Dos frangalhos humanos
Apenas sorri ano após ano...

quinta-feira, 27 de junho de 2013

ALÉM DO BEM E DO MAL

Além do bem e do mal
(Carlos Pedala)

Viver é um hábito
É o céu azul das manhãs
Do mês de junho
É o que a vida tem de comum

A sombra da maldade se esconde
Tantas vezes
Em insuspeitos lugares
No meio de tanto amor e tanta bondade

E se deixar de sorrir
No meio da humanidade
E se o sistema for racionalizado
Triturador de opinião

O crime é escolher sim ou não
Tolhido no que lhe é essencial
Resta olhar a eternidade
Além do bem e do mal... 

quarta-feira, 26 de junho de 2013

MISSÃO

Missão
(Carlos Pedala) Para o Sargento do Bope Ednelso Jeronimo dos Santos Silva in memorian

A noite de prontidão
O cheiro do morro dentro do pulmão
Os cinco sentidos abertos
Abertos para a amplidão

A rotina é o trabalho perfeito
Sem espaço para qualquer vacilação  
A confiança total nos seus irmãos
A realidade como missão

A noite de prontidão
Os choros dos mortos no coração
Um certo indagar do porquê
Ao retorna ao lar é só gratidão

Ser ou não ser a velha questão
Exercícios milenares para morrer a indagação
O tiro traiçoeiro bota tudo a perder
É grande a perda que o Bope acaba de ter... 

terça-feira, 25 de junho de 2013

ASSÉDIO MORAL

Assédio moral
(Carlos Pedala)

As mil faces do mal
Escondido diante dos olhos
Em detalhes quase imperceptíveis
Sutis, tênues, amáveis

Espalhado nas repartições
A maldade em consideração
Vai minando pouco a pouco
As forças naturais

O mal na forma de vento
Soprando na rocha
Esculpindo, destruindo, aniquilando
Sem nem mesmo o outro perceber

As mil faces do mal
O espirito da escravidão
O ódio, o rancor, a raiva
O processo racional

 Assédio moral



domingo, 23 de junho de 2013

COUVERT ARTÍSTICO

Couvert artístico
(Carlos Pedala)

Abriguei-me das bombas
No bar Semente
Talvez a polícia estivesse atrás da gente
Aceitei o couvert artístico
A música pra lavar a alma do gás lacrimogêneo
Estourando bombas e bombas
O pânico voltou, estariam em encalço
Apagaram-se as luzes
Não há saídas de emergência
Contra o medo
Ouço um Pai Nosso da escuridão
Pelo celular meu amor pergunta onde estou
Digo: - acalmando-se as bombas, irei pra casa
Vejo através das janelas e da fumaça os Arcos da Lapa
O céu
E as máscaras do terror...



GÁS LACRIMOGÊNEO

Gás lacrimogêneo
(Carlos Pedala)

As coisas são do jeito que têm que ser
Embora andasse em multidão
Íamos atrás do imponderável
Pela infinita Avenida
Tão impreciso, e por isso tão cheio de vida
O helicóptero posto nos céus, único propósito:
jamais esquecermos a realidade
No totalitarismo o impedimento de fato
É sonhar
A realidade mesmo construída é a realidade
Não importa o quanto tudo isso nos enjoe
Embrulhe-nos o estômago
Acabar com a alegria
Colocar nas ruas a face do rancor
Retirando os cães de cima das favelas
E os redirecionando para nós
Frequentadores dos Arcos da Lapa
Habitantes de arco-íris
Choramos, não são só lágrimas
de gás lacrimogêneo... 

OUTRA OPÇÃO

Outra opção
(Carlos Pedala)

Avenida Men de Sá
A névoa encobre a visão
Presos dentro de um bar
Escuro, medo, solidão

Nos Arcos da Lapa
A violência sai da televisão
Lágrimas de gás lacrimogêneo
E o choro contido de indignação

Homens mascarados
Soldados de armas na mão
Terror, pesadelo, silêncio
Não há outra opção...


sábado, 22 de junho de 2013

ENTRE OS DENTES

Entre os dentes
(Carlos Pedala)

A Avenida Presidente Vargas é tão bonita
No dia em que a conheci
Um encantamento se formou em mim
Os prédios e os espaços
O verde vinha de dentro do canal imundo
Os céus e os cinzas do Centro da Cidade
O medo e a urbanidade
E hoje à tarde
Eu vinha
Eu vinha
Eu vinha
Ela era minha
Era minha cidade
Eu e a multidão num só canto
O helicóptero das classes dominantes
Sobrevoava em voos rasantes
Meus filhos perdidos nesse mar de gentes
O rapaz ensanguentado com uma bala de borracha
e de ódio cravada entre os dentes


ENTRE OS DENTES

Entre os dentes
(Carlos Pedala)

A Avenida Presidente Vargas é tão bonita
No dia em que a conheci
Um encantamento se formou em mim
Os prédios e os espaços
O verde vinha de dentro do canal imundo
Os céus e os cinzas do Centro da Cidade
O medo e a urbanidade
E hoje à tarde
Eu vinha
Eu vinha
Eu vinha
Ela era minha
Era minha cidade
Eu e a multidão num só canto
O helicóptero das classes dominantes
Sobrevoava em voos rasantes
Meus filhos perdidos nesse mar de gentes
O rapaz ensanguentado com uma bala de borracha
e de ódio cravada entre os dentes


sexta-feira, 21 de junho de 2013

VÂNDALOS

Vândalos
(Carlos Pedala) Para Dilma, Cabral e Paes

Eu e meus amigos do Facebook
Caminhamos em direção à Prefeitura
Vamos cobrar explicações ao Alcaide

Eu e meus amigos do Facebook
Vamos lado a lado
O futuro parece estar logo ali na frente

Eu e meus amigos do Facebook
A gente vai confiante
Ele terá que ouvir a gente

Eu e meus amigos do Facebook
O comitê de recepção é gigante
Gás lacrimogêneo, cães e cassetetes

Eu e meus amigos do Facebook
A gente corre pra tudo o quanto é lado
O helicóptero dá rasantes

Eu e meus amigos do Facebook
Somos todos vândalos
Nos afogando no mar de escândalos

Eu e meus amigos do Facebook
Agora estamos correndo e chorando

O terror, o ódio e a revolta circundante... 

quinta-feira, 20 de junho de 2013

E AGORA?

E agora?
(Carlos Pedala)

E agora?
Eles ficaram rindo ali no canto
Enquanto nos arriscávamos lá fora
De que achavam graça?

E agora?
Eles ficaram ali nos gozando
Enquanto nós gritávamos na praça
De que achavam graça?

E agora?
Eles ficaram ali se divertindo
Enquanto enfrentávamos a polícia
De que achavam graça?

E agora?
Eles ficavam ali se justificando
Enquanto nos debatíamos contra a falta de esperança
E agora? De que acham graça, agora?

terça-feira, 18 de junho de 2013

ISSO NÃO ME REPRESENTA

Isso não me presenta
(Carlos Pedala)

Admitir bala de borracha
Partir pra agressão
Não é a solução
Não é certo a violência

Isso não me representa
Nem aquilo que vocês falam
Estou em todos os lugares
E em lugar nenhum

Não é  certo a violência
Coquetel molotov
Spray de pimenta
Isso não me representa

Congresso Nacional
Câmara Municipal
Deputado estadual
Isso não me representa 

DO FACEBOOK

Do Facebook
(Carlos Pedala)

Se não me respeitar
E continuar me fazendo de palhaço
Me explorando
Achando que eu sou otário
Vou chamar meus amigos

Do Facebook...

segunda-feira, 17 de junho de 2013

MANIFESTAÇÃO

Manifestação
(Carlos Pedala) Para meus filhos: Filipe e Pedro

Eu também vou
Ele me falou
O outro me chamou
e o outro e outro

Vai acontecer
Tudo mundo vai se ver
Lá, na Candelária
Para dizer: - não!
Assim não pode ser!

Eu também vou
Dizem que a policia
Vai bater
Vai bater

Então, eu também vou
Vou te proteger
Pra ninguém dizer
Que você não pode dizer

Eu também vou
E vou dizer:
Assim não pode ser...


domingo, 16 de junho de 2013

MUITO MAIS

Muito mais
(Carlos Pedala) Para Elizabth Salazar Martins

Perdi um amigo
Sim, perdi
Ainda agora estava aqui
Mas perdi, agora está perdido
Não sei o que dizer, não sei
Amigo querido

O mundo era bom com você
E agora o que será?
O que vai ser?
Sem você

Ti perdi amigo querido
Você é muito mais do que isso
do que foi encontrado
e perdido com você

Perdi as palavras
E tudo mais está perdido
Foi, amigo querido
perdido
e para sempre aqui comigo



sábado, 15 de junho de 2013

ESCRITOS NO VENTO

Escritos no vento
(Antonio Carlos Totonho e Carlos Pedala)

Tenho varias coisas pra te mostrar
Vou juntar os escritos
Vou amarrar os gritos
E o resto que ficou pelo ar

Tenho varias coisas pra te mostrar
Coisas que não foram ditas
Mas se você vier e ver, verá
é tão bonito aquilo que tenho cá

Tenho varias coisas pra te mostrar
só viu quem me viu de perto
e ouviu aquela canção do Roberto
e tudo eu tenho guardado aqui dentro

Tenho varias coisas pra te mostrar
Acho que nem você irá acreditar
É certo, escondi durante tanto tempo
Vou juntar os escritos no vento... 

SURTO

Surto
(Carlos Pedala)

É um mundo onde tudo acontece
Ou quase tudo
Hoje, logo de manhã cedo
Fomos abordados pela mulher
Loira, bem vestida, com bolsa
e tudo mais
Que faz
Uma mulher
Ser mulher hoje

Disse: - fique agora com ela!

E foi abordando outros transeuntes distraídos
Inusitadas cenas
Perplexidade e espanto
Num momento, voltou-se de novo

E repetia: - fique agora com ela!

Corremos, pelas ruas do Flamengo
(Senador Vergueiro)
No começo com certo pudor
Com a surtada atrás de nós gritando
Riamos o sorriso do inacreditável, acho
Surtados juntos e em pacto de surto
Em breve intervalo, delírios conjuntos...  

sexta-feira, 14 de junho de 2013

OS DE SEMPRE

Os de sempre
(Carlos Pedala)

Eles se conhecem há muito tempo
Seus eventos são no lugar de sempre
O mesmo script  
As mesmsas falas decoradas
E todos são bastante felizes
Não deixam espaço para surpresas desagradáveis
Superam rápido os acidentes
Seus sorrisos são cheios de dentes
O máximo que se permitem é trocar de casamento
Hoje é algo bem natural
(o que importa?)
Se acometidos por doença fatal
Ainda podem praguejar e se apegar a Deus... 

quarta-feira, 12 de junho de 2013

TEMPO QUENTE

Tempo quente
(Carlos Pedala) Para o Doutor Marquinhos

no meio da tarde
um bando de andorinhas
(bando: serve para passarinhos e bandidos)
pousou no muro que nos separa do abismo
é um muro alto
dizem ter sido construído após o servidor se atirar ao infinito
essas coisas acontecem

ninguém reconheceu a espécie de passarinho
há tempos não as víamos
pareciam cansadas

falei sobre o perigo das frentes frias
morrem se forem surpreendidas
disseram:  - durinhas! Daí o nome “andorinhas”
todos riram
a vida é cheia de graças
até o colega que teve o carro roubado
e sofreu mini-sequestro
foi só um susto
vamos torcer para termos tempo quente...  


AVIDEZ

Avidez
(Carlos Pedala)

por essa época
as manhãs bem de manhãs no Centro do Rio
são húmidas
devem ser as sombras que ainda encobrem
as calçadas, as pessoas

na esquina da Rua Sete de Setembro
o caminhão de Coca-Cola coloca sua estética
plena
no chão do Planeta
não deixa de ser bonito
para quem tem um pouco de senso

a multidão devagar irá se formando
ela vem chegando de todos os lados
ávida por consumir
muitíssimo mais do que todo aquele
refrigerante ali exposto...

APARECIMENTOS

Aparecimentos
(Carlos Pedala)

Nada é o que aparenta
Somente o que aparece é
O que não aparece não é
Entramos nas Casas Pedro
Com intuito de adquirir condimentos
Precisamente coloral
Para colorir alimentos
Na hora de pagar
Houve algum problema nos caixas
O cidadão à frente pediu
Para ver o chocolate,
(se fosse suspeito seria “o elemento”)
Perguntando se era para derreter
Ou para consumo imediato
A caixa achava que era para comer
Ficamos tentados a experimentar
Melhor deixar para lá
Queremos emagrecer para no
Facebook sorrir...  

segunda-feira, 10 de junho de 2013

OXIGÊNIO

Oxigênio
(Carlos Pedala)

Num programa da BBC
Soube das dez dimensões do mundo
Afora o tempo e você
E de quando o tempo passou a existir

Por onde andávamos naquela época?
Nem sei dizer
E tantas outras coisas ficaram incompletas
Embora algumas vezes estivéssemos juntos de mãos dadas

Amarrados por línguas e céus de bocas
Aço derretido, fusão de gente
E a respiração profunda
A inundar nossos cérebros de oxigênio... 

ACONTECIMENTOS

Acontecimentos
(Carlos Pedala)

Não quero mais falar sobre nada
Espero apenas o silêncio
Ficarei mudo a observar o mundo

Lá está ela, a senhora a estender a roupa
Nessa tarde de domingo
Vejo-a através da janela do Bar do Arnaldo
No largo do Guimarães, Santa Teresa

Não quero mais falar sobre nada
Lá embaixo os telhados e o relógio da Central do Brasil
E os trens a partir para os subúrbios do Rio

Decidimos descer a pé as ladeiras
Decidimos também reagir caso tentem nos assaltar
A mulher diz que não tem medo de nada
Haveremos de enfrentar o que quer que nos aconteça... 

domingo, 9 de junho de 2013

BONDINHO

Bondinho
(Carlos Pedala)

O que contém a palavra trem?
Aquilo que lhe convém
O Rio de Janeiro completamente
Inteiro trem
O Largo do Guimarães, trem
Ao fundo a Baía de Guanabara, trem
E Santa Teresa trem e trilhos
Só o trem não vem
Não vem
Não vem
O trem passou daqui pra melhor
Foi
O vento levou
E nem o Bondinho por aqui ficou...


sábado, 8 de junho de 2013

VIDA MANSA

Vida mansa
(Carlos Pedala)


onda veio dar em mim
mar, esperança sem fim
janelas do peito

Não quero olhar nenhum
a me ver desse jeito
sendo eu apenas alegria

Queria estar à toa
Vento, bruma, garoa

Tranquilidade em pessoa
Manhãs, tardes, dia
Comprometido
Unicamente e nada

fama de vagabundo
Deitado na relva macia
Amigo das nuvens do céu
Coisas algumas da vida faria


FLAMA

Flama
(Carlos Pedala)

um poema
é uma coisa
tão pequena
feito apenas
de fonemas

onde tudo
vale a pena
não há
alma pequena
dentro da flama
do poema 

sexta-feira, 7 de junho de 2013

FELIZ NO FACEBOOK

Feliz no Facebook
(Carlos Pedala)

Ela é feliz no Facebook
Ela posta as fotos na internet
Tem quem a inveje na street
Ela agora está com seu new look

Ela é feliz no Facebook
Todos sabem em que praia
Ela toma sol dentro do shopping
Ela sabe a hora de usar o munck

Ela é feliz no Facebook
Ela tem o valor da aparência
Ouvir música é no jukebox
Ela gosta de dar uns toques

Ela é feliz no Facebook
Todos adoram os seus dotes 
E dão umas catucadas
Compartilham os seus links



Ela é feliz no Facebook 

HÁ TANTO TEMPO

Há tanto tempo
(Carlos Pedala)

Eles se conhecem há bastante tempo

São servidores públicos e trabalham juntos
O serviço público é sempre a coisa de sempre
Nessa tarde, saem ao mesmo tempo juntos
Uns a esperar, a apressar e atrasar os outros

Eles se conhecem há muitíssimos tempos
Pegam um táxi na Rua Buenos Aires
Estão na hora do rush, sufoco
O trânsito fica bem engarrafado

Eles se conhecem há tantos e tantos tempos
Viram os filhos uns dos outros crescerem
Viram através das fotografias
Após o expediente se falam no Facebook

Eles se conhecem há muitos e muitos tempos
Souberam do falecimento dos pais uns dos outros
Viram casamentos se acabarem em casamentos
E tudo isso se deu de modo bem discreto

Eles se conhecem há tanto tempo
No elevador sempre se espantam
Dizem como o tempo passa rápido
E tudo parece haver acontecido ontem...


PERCEBIDO

Percebido
(Carlos Pedala)

A vida não é uma coisa certa
Nunca foi exatamente isso
No Rio de Janeiro, em junho
Os dias têm céu de azul preciso

Andando meio distraído
Você irá escutar alguém dizer
- Que dia lindo! Olha o céu!
Estava lá sempre percebido...

quinta-feira, 6 de junho de 2013

SAARA

Saara
(Carlos Pedala)

São todas as cores a cobrir os lados
Tudo é colorido
Tudo quer ser exposto
Tudo é querer e aparecer
Ser e aparecer são único conceito

São tudo coisas do comércio
Vêm de outros tempos
Sempre expostos aos riscos
Do negócio
Prontos para conceder descontos

Rua da Alfandega ou Senhor do Passos
A fé na Igreja de São Jorge
A fé é o maior movimento
Viver sem hesitar
E ser posto ao secular comércio... 

ESPECULAÇÕES EM TORNO DE DRUMMOND

Especulações em torno de Drummond
(Marcus Vinícius Quiroga)


Onde Drummond?
Por onde vaga divagando?
Ou o que desta vez nos indaga,
entre coisas e palavras?

O legado de seus poemas
se encontra sem inventário,
à mercê das leituras.
Entrega-se a mãos
que exercem ofícios,
impróprios para fugas.

De onde Drummond extrai
tanta substância
para o seu pensar?
De que Minas metafísica -
a única que ainda há -
e suas águas subterrâneas,
recolhe as pedras
sujas do barro humano?

Os seus bens não cabem
em canastras, não descansam no chão
das plataformas de trem.
O poema não é refém de caixas,
cofres e assinaturas,
feito que é de uma espécie de nuvem.

Aonde Drummond vai,
quando se levanta da forma
de estátua em Copacabana?

Logo ele, tão arredio
a este contato de fãs e fotografias,
cedo se cansa e se esconde
numa onda desatenta,
e poucos veem que é Drummond
quem ali vai, mineiro no mar.

O que sonda Drummond
com tanta pergunta,
tanta especulação?
Que mania de inquirir,
de querer ir a fundo!
A superfície não basta,
mas outros mundos mais vastos
se espalham sobre sua escrivaninha.
E Drummond cifra-decifra-cifra
segredos da língua,
ou passeia por labirintos
e retorna à página
com sortimento de signos
e minerais sentidos.

Onde Drummond?
Onde sua sombra o projeta?
Detrás de quais óculos?
De qual semblante sério?
Em que pensa agora
que tem tanto tempo?
Decerto nas coisas findas
que são as que ainda e sempre
permanecem eco?
Onde Drummond
assina o ponto,
como se não fosse poeta?
Mas, exemplar funcionário,
seleciona textos para pastas:
um livro póstumo.
Ele se despede,
se disfarça em concha,
tão longe de Minas.
Mas carrega leve
preciosos minérios
em outros cadernos.

Onde Drummond
faz de conta de que não é eterno?