quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

E ALÉM


E além
(Carlos Pedala)

O pensamento é um que de nada
É intocável
Nem cheiro tem
Nem pesa também

É certo que penso que o vejo
E projeto imagem
E o imponderável que ele contém

O pensamento parece ser assim bem leve
Batendo asas de borboleta
Sem pouso

Então, como poderia
Tudo que há
E o que não haveria
Caber dentro dele e além...

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

ACABOU


Acabou
(Carlos Pedala)

A poesia que havia aqui
Secou
No calor do dia
Evaporou a alegria
Sobrou o que sobrou
Sobrou
Ficou assim
Desabotoado, sem cor
Quase dessabor
Brinde de dor em flor
Quando o vento chegou
Levou o que era
E o fim por fim se findou

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

ESQUEÇA


Esqueça
(Carlos Pedala)

A poesia é questão física
Como indisposição gástrica
De uso restrito, remédio
Nem vem ao céu, nem vem ao tédio

Pouquíssima metáfora
Convém, hora certa
Convém, dose exata
Cura os sentidos

Feito a doença
Que desaparece
Tal a dor de cabeça
Que assim que vai, esqueça...


NOS LARGOS DOS MACHADOS


Nos Largos dos Machados
(Carlos Pedala)

No Largo do Machado
Há um sujeito
Que faz bastante tempo
Inspira respeito

Quiroga já falara dele
E de seu jeito
O trabalho dia após dia na rua
Consertando sapatos

Faz isso com muito gosto
Pros outros
Pois as pernas (nem pés) não tem
O que parece ironia

Não seria da forma de lição
Aos passantes apressados
Pisantes firme do chão
Dos Largos dos Machados

DEPOIS DA FEIRA


Depois da feira
(Carlos Pedala)

Domingo, paro no boteco
Depois da feira
Tomo uma cerveja Antártica
Reparo o movimento
Encontro casal de amigos
Falam dos umbigos

É na Rua Marquês de Abranches
No Flamengo
É um dia tranquilo
Discutem sobre a estética do último filme  
De Tarantino
Do Rio de Janeiro, do destino

Já somos grandes amigos
Damos opiniões sobre a vida
Uns dos outros
Abraços, despedidas
E desejos de boas vindas...

domingo, 24 de fevereiro de 2013

PÉTALAS SOLTAS


Pétalas soltas
(Carlos Pedala)

Surpresa é o que não se espera
Dureza é a vida à vera
Concretude, solidez, solidão
Vão de infinitos
Estrelas fixas na amplidão
Dor na barriga desmotivada
Doença rara
Raríssima reafirmação
De ser em ser coisa
O pior de tudo chega
Se instala em eternidade
Poder da destruição
Tristeza
Pétalas de rosa soltas em correnteza 

INSÔNIA


Insônia
(Carlos Pedala)

Amanhecendo o dia
Vozes se calam
Passarinhos piam
Não houve sono
Nem sonhos
A realidade devora
O centro das células
Uma a uma
Distraindo o desespero
Por aqui não vive um rio
Ânsia de não dormir
Angustiante dor
É difícil existir... 

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

ePUB


ePub
(Carlos Pedala)

Baixo na internet versos
Decodificados em bites
Vêm tão rápido
Que logo esqueço

E são tantos, e tantos
Embora grátis
Têm seus preços

ePubs são a nova onda da infomaré
A imprensa de Gutemberg elevada
à enésima potência
O Iluminismo dentro da iluminação

Livros eletrônicos
Antigas e novas histórias
Outras narrativas
E o que vier...

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

KINDLE


Kindle
(Carlos Pedala)

Atravesso Laranjeiras
E Cosme Velho
É o Rio de Janeiro
Após o túnel, o entorno da Lagoa
O sol sobre suas sombras

No Shopping Leblon
Com celebre afetação
Vejo a jovem negra burguesa
Saída de capa de revista
Não, não, por favor, não insista!

Das janelas tudo é paisagem
Encontro o quiosque que procuro
É da Amazon, a livraria virtual
Adquiro o Kindle, o coração dispara
É a revolução do livro digital 

TECLAR



Teclar
(Carlos Pedala)

Todo o dia é novo o dia
É sempre nova a novidade
Como o rio, quem diria?
Onde nem consigo entrar

Pois aquele que mirei
Quando chego lá
Já se foi
O seu ser é só passar

E o que seria esse lugar
Que aqui está e não está
Que teima em ser esse devir
Essa corrente correria

E agora você veja
Não era nem sobre isso
Que eu queria
Ti teclar... 

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

AMÉRICA DO AZUL


América do Azul
(Carlos Pedala)

A máquina cortando pedra
Esculpindo a cidade
Inflexível ruído
O roncar de avião e de carros
Buzinas buzinando

E o barulho dos ônibus passando
O ritmo do martelo
Um tique-tique mais fino, mais sensível
O “brum” bruto da caçamba do caminhão
E o vento do ventilador tocando os cabelos

Tudo isso dentro dos pensamentos
Nem sei se sobra espaço
Para o firmamento
Para o corpo celeste roçando a Terra azul
Em tanto mundo, em tanta América do Sul 

domingo, 17 de fevereiro de 2013

QUANDO


Quando
(Carlos Pedala)

Quando é de manhã
É dia
Quando é de manhã
É cedo
Não medo
Quando é que te vejo
Quando?
Metricamente falando
Quando é?
Quando é que o quando é
Quando?
Quando é noite?
Quando?
É medo
É tarde
É cedo
Quando?
Quando é que é quando?
E quando não te vejo?
É quando?

A DERIVA


A deriva
(Carlos Pedala)

Perdido em palavras
Não nas letras
Mas em seus sentidos
Hesito como um hábito
Onde habito

Lavo o rosto
Escovo os dentes
E limpo o palato
Onde a língua toca a boca
Respirando o cheiro de teu hálito

Meço o que digo
Espreitando a cumprida tarde de domingo
O sol incide perpendicular sobre o sofá
Revelando segredos inventados e medidos
Em intermináveis silêncios

O calor deixa pacatas e mudas
Até as moscas
A deriva, sentimos o passar do tempo
Porém, devido à preguiça
Não nos importamos com isso... 

REMINISCÊNCIAS


Reminiscências
(Carlos Pedala)

Acho que a mudança
Me fez lembrar
De outros lugares onde morei
Quando acho é porque não sei

Era um lugar ao alto
À direita um Palácio
Lá embaixo
O lago com formato do Brasil

A casa tinha um soton
Onde eu dormia
E sonhava que escrevia
Sobre o que não sei

As nuvens na janela
As crianças bem pequenas
É um sonho, uma quimera
Ou apenas a vida, apenas ela... 

sábado, 16 de fevereiro de 2013

ANEXO


Anexo

(Carlos Pedala)




Na superfície do tempo

Garimpo

Peneiro

Procuro

Espero

O momento anterior ao instante em que calo

Escuto mudo

O logos de onde falo

Reverbero

Imensidão e mistério

Inepto

Faço falsa a verdade que revelo

Paradoxo anexo

Simples e complexo

ENCOBERTO


Encoberto
(Carlos Pedala)

O que é ser em mim tão desigual
São paralelas de eu ser em eu
Tal qual imagem de espelho
Que dizem por aí são iguais a mim

Mas os olhos em que me vejo
Não são meus
Como não são esses cabelos
Que de memória trazem os cheiros teus

O avião toca a Terra em linha reta
E o dedo tecla a letra preta na tela branca
Mas o que pousa aqui não são apenas letras
Mesmo que de modo encoberto

DESTAMANHO


Destamanho
(Carlos Pedala)

A maioria dos que conheço
Riem ao saberem dos versos que aqui faço
Chamam-me de poeta
Confundindo o termo com palhaço
Desdenham de modo explicito, jocoso
E mesmo os escassos elogios
São muito mais pelo esforço
E até naqueles mais sinceros
Naqueles espíritos abertos à amizade
Que de mim de fato gostam
Não perceberam de inteiro o tamanho
Da verdade de ser que aqui proponho
É certo que é também refúgio
Quiçá, quem sabe, esconderijo
Receba agora esse recado:
Não seja assim tão reduzido
Do mundo que é em mim
Tão destamanho... 
Pois nada além da matéria existente
em nós é vida. 

VENTOS


Ventos
(Carlos Pedala)

O vento da mudança
Ao soprar leva os acentos
Que fogem velozes pra lugares
Insuspeitos, vorazes
Muda desse jeito a paisagem
E cala a poesia
Posto que frágil (flor pequena)
Emergindo apenas onde acolhida
Aparecendo em hora não chamada
Em fórmulas ou figuras de linguagem
Métricas, rimas, epifanias
Deixa-se ser admirada
Aurora
Sem ânsia de ser tão exata
Quando dia

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

CARTA DE PRAGA


Carta de Praga
(Carlos Pedala)

Hoje é dia de Carnaval
Ouço o caminhão dar a partida
Com seu sinal universal
Faz a manobra e vai com segurança
Deixando silêncios e ruídos

É um modo diferente de existir
A Rua Paissandu tem palmeiras
E sons próprios do seu jeito de ser
Há nela algumas esquinas
E o doce balançar de suas meninas

De dentro da gaveta sai uma carta
É escrita em mil novecentos e sessenta e oito
Da Primavera de Praga, direto do epicentro
Dá noticias do filho, da Bienal de Veneza
E da esperança nos acontecimentos





quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

EXALTANDO A FELICIDADE


Exaltando a Felicidade
(Carlos Pedala)

O indefinido ruiu com a paisagem
Todos os dias chove
É véspera de Carnaval
Estamos arrumando a casa
Sentindo os novos cheiros
E as folhas dos coqueiros da Rua Paissandu
Bem como flores da janela em frente
A internet ainda não voltou
Escuto vozes e buzinas dos carros
Sim, eternamente, automóveis
De certa forma, o canto em si
Carrega porção de lamento
Ouça o canto da Cidade
E os argumentos dos sambas enredo
Exaltando a felicidade 

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

DONA ELZA


Dona Elza
(Carlos Pedala)

O novo apartamento é antigo
Tudo bem! É questão relativa
No dia da mudança
Não apareceu faxineira

Fiquei sozinho, limpando
Varrendo pra ser mais preciso
Soube que a antiga proprietária
Chamava Dona Elza

Ela faleceu, e os herdeiros venderam rápido
O imóvel tem armários por todos lados
Móveis para durar a vida inteira
E duraram

Por um instante, enquanto varria a cozinha
Pensei: Dona Elza já não está mais por aqui
Chegará o dia que não estarei
Achei estranha a ideia e dificílima de ser concebida

RUA PAISSANDU


Rua Paissandu
(Carlos Pedala)

Na Rua Paissandu
As palmeiras são grandes
Vivem espiando dentro das moradias
Como se não houvesse nada melhor pra fazer
Elas são velhas senhoras

Ouvi dizer que as palmeiras
São do tempo em que a rua dava na sede
De um grande palácio
Que hoje é a sede oficial do Governo do Estado do Rio
Mas nosso prédio é mais pra o lado de cá

O Palácio Guanabara é lindo
Só sei que mudar dá trabalheira
Mas agora é só ajustar os lustres
Todos os moradores que conheci
Adoram o lugar, acho que vamos gostar... 

domingo, 3 de fevereiro de 2013

PRA TRÁS


Pra trás
(Carlos Pedala)

Estou sozinho no apartamento onde morei
Há o espaço vazio
Recordo os sentimentos vividos
Ao abrir a janela, recebo o vento
Não há mais medos

O tempo transcorre
O tempo bom
O tempo amigo
Vai mudando eu

Venha agora comigo
No meio dos descartáveis
Não consigo encontrar
O que ficou pra trás...

sábado, 2 de fevereiro de 2013

DE MIM NÃO SEI


De mim nem sei
(Carlos Pedala)

São quase seis da manhã
Há quase um silêncio
Quebrado por carros
Sim, são os automóveis
Eles insistem em passar
No cumprir da noite
Há eternamente alguém precisando
Chegar a algum lugar
Logo, o dia irá amanhecer
Chegará a hora que ao chegar
O dia não vai me ver
Se eu puder, não vou lamentar
Já a saudade, não há como
Negar, então, sentirei
Mesmo no não-ser que de mim
Nem sei

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

MULHER


Mulher
(Carlos Pedala)

E se eu for capaz
de te fazer gozar
muito mais e mais
e se eu te pegar de um jeito
que nenhum sujeito
ousou pegar

e se você revirar os olhos
e quase desmaiar
quem sabe mesmo
quase morrer
de prazer
quando minha língua te tocar

e se eu te falar coisas
que você nunca imaginou escutar
e mesmo assim um dia
for eu que quiser
terminar

Será esse o sonho
De uma mulher
Mesmo que ela não queira
Confessar... 

CIDADE


Cidade
(Carlos Pedala)

É quase Carnaval
É bem o clima de festa
É pra aquele que perdeu a viagem

É a grande sacanagem
É a alma dos botequins
É quase a felicidade

É a cara dessa Cidade

NO MUNDO

No Mundo
(Carlos Pedala e Pedro Sena)

Todo mundo nesse mundo
Todo mundo é dono do mundo
Todo mundo tem direito ao trono

Você no profundo
Você no seu mundo
Você no seu sono
Você no seu trono

Enquanto aquele abandono
Nem pouco dormindo
Nem sentindo tão bem esse mundo

Enquanto aquele abandono
Enquanto nem bem dormindo
Enquanto o mundo

Todo mundo é esse mundo
Todo mundo é dono do mundo
Todo mundo com direito ao trono

Você no seu sono profundo

É tudo imundo
É nada e profundo
E tudo é tão lindo
E tudo é tão nesse mundo

E tudo é o mundo 

VOU LEVAR O VENTO


Vou levar o vento
(Carlos Pedala)

O prédio onde habito vai virar hotel
Vão quebrar tudo aqui dentro
Eu vou me mudar
Mas vou levar o vento

E não adiantar querer me impedir
Nem o uso da força policial
Nem o mandato judicial
Eu vou me mudar
Mas vou levar o vento

O prédio onde habito vai virar hotel
Vão quebrar tudo cá dentro
Eu vou me mudar
Mas vou levar o vento

E não há força no mundo pra me impedir
Nem vem com esse argumento
Eu bem sei do seu sentimento
Eu vou mudar
E vou levar o vento

EM ALGUM LUGAR


Em algum lugar
(Carlos Pedala)

Caixas no meio da sala
Gavetas vazias
Sozinha, num canto, a meia esquecida
O pranto no canto do rosto
Talvez, um susto
Do tempo
Aparecimento do livro sumido há muito
À superfície vieram as fotos
Junto com elas, as lembranças daqueles dias
E tudo o que ficou pra trás
Em algum lugar  
Que não é esse que aqui está
E que jamais
Voltará 

EM NADA


Em nada
(Carlos Pedala)

Coloco os livros dentro das caixas
As roupas dentro das malas
O som dentro do plástico
A paisagem dentro das fotos
As lembranças dentro da memória
Os sentimentos dentro do coração
As aspirações dentro da alma
As poesias dentro da palavra
As mentiras dentro da boca
O futuro dentro da esperança
Tudo dentro do um
E mesmo assim
Algum não cabe em nada

DE SAÍDA


De saída
(Carlos Pedala)

Vou mudar
Levarei as flores e as plantas
Os livros, as camisas, os pratos
Mas alguma coisa vai ficar

Vou mudar
Levarei os sonhos e os planos
As expectativas, a disposição, o humor
Mas alguma coisa vai ficar

Vou mudar
Levarei as alegrias e as festas
Os fins de ano, os natais, os amigos
Mas alguma coisa vai ficar

Vou mudar
Levarei o Pão-de-Açúcar e a Baía de Guanabara
O Aterro do Flamengo, a praia, a ciclovia
Mas alguma coisa vai ficar

Vou mudar
Mas alguma coisa vai ficar