domingo, 30 de setembro de 2012

LEMBRANÇA




Lembrança
(Carlos Pedala)

Sábado, à noite,
Um pouco antes de dormir.
De um vento frio por debaixo da porta
veio a lembrança de quando eu era,
era menor que o caçula.

E visitara com meu pai a nossa antiga casa.
Ela seria demolida, já estava sem teto.
Encostado na parede, onde fora a cozinha.
Ele me dissera: - Puxa! A vida passa.

Saí pelo buraco da porta.
Sem porta.
No antigo quintal,
a roda de bicicleta enferrujada
se misturando aos cheiros de jabuticabas,
e me dizendo coisas que só entendi agora. 

sábado, 29 de setembro de 2012

ENCONTRO DE BICICLETAS




Encontro de bicicletas
(Carlos Pedala)

Entro e saiu de portas inteiro, sobrevivo,
em edifícios de concreto e de vidro, submeto-me
a controles administrativos, sou do Rio de Janeiro,
apresento a identidade na abadia.

Rezo em templos sagrados, sem fé.
E bebo por qualquer razão com amigos, na Lapa.
Ando em trens subterrâneos,
desejando céus e paraísos.

Escuto o resmungo, o lamento,
a desilusão com a vida, vinda de dentro
da cozinha. A tristeza dela é a minha.
Lá fora, o vento frio e as luzes das favelas.
Convidam-me para um encontro de ciclistas,
Contando que não apareça,
Contando que não diga nada sobre trânsito e bicicletas.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

ATRAVESSANDO A AVENIDA




Atravessando a Avenida
(Carlos Pedala)

O papel em branco já não existe.
No canto da tela, um pouco mais à direita,
perscruto no movimento dos olhos
a poesia a espreita.

Em mim vive o espanto,
adormecido no dia a dia, no encanto, na realidade.
Transito de bicicleta no asfalto,
no Centro da grande cidade.

Sinto o ser estruturado.
O ser dentro do concreto armado.
Os sonhos diagnosticados.

Não obstante os conceitos
em placas dependurados;
Não obstante os raciocínios elaborados;
Quem atravessa a Avenida na faixa é a dor dentro do peito. 

OUTRO





Outro
(Carlos Pedala)

Mais uma vez, o dia amanheceu de novo.
Faz um frio sem sentido
na Cidade de Janeiro.
Na Avenida Rio Branco, no Centro, as mulheres
são elegantes. Já os homens, ocupados.
Enquanto aguardo amigos,
a menina me pede dinheiro para inteirar
o almoço, trocados apenas.
Tenho por hábito não dar esmolas
prefiro ler poemas e andar de bicicletas.
Imagino constelações, vagando no Universo
tais quais a Via-Láctea.  
Será que em algum outro planeta
alguma outra garota precisa implorar
comida para outro que pouco se importa?

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

HUBBLE





Hubble
(Carlos Pedala)

O ultra campo profundo.
Finíssimo fim do fio do mundo
do já mundo vasto mundo.
Jamais houvera mais lindo.
Há bilhões e bilhões de anos-luz.
Vê-se nascimento do universo:
Estrelas, poeiras, poesias.
Captadas num só registro, num só verso.

São trilhões e trilhões de planetas,
na foto, no pedaço.
Agora revelado em lunetas
de tecnológicos olhos mágicos.
Vagueia nos rodapés do espaço
como quem andara de bicicleta,
na ciclovia de Botafogo, onde respiro, admiro e passo.


segunda-feira, 24 de setembro de 2012

ENQUANTO




Enquanto
(Carlos Pedala)

O dia vai chegando cedo, enquanto, distraído,
buscava em Pessoa frase lida sobre
barulhos de pneus de automóveis passando ou, escutava - ele no Templo da Igreja, dia chuvoso -,
mas agora as luzes tremulam do outro lado da Baía de Guanabara, na praia de Icaraí. E a aurora tem tons de azuis, marrons, rosas e mais... Vistos de dentro da janela.

Os carros continuam passando e os pássaros cantam nos intervalos. É primavera.
As dúvidas chegam aos bandos.
Enquanto penso na tela, e penso no frio que sinto.
As dúvidas vão revoando a Baía de Guanabara.
Enquanto aguardo a hora das bicicletas.
Enquanto aviões esperam o Aeroporto Santos Dumont
abrir.  

domingo, 23 de setembro de 2012

MÚSCULOS




Músculos
(Carlos Pedala)

Os músculos do corpo doem no corpo.
Pedalar o dia inteiro cansa. O corpo vai.
E a mente presa ao concreto...
Existimos junto aos carros, e latarias
frias. De dentro de nós, avistamos ondas
chocando-se nas pedras do forte de Niterói.
E a luz vermelha nele acessa.
Ela é vermelha. Já a muralha é velha e as
velas dos veleiros velejam ou velam a
velha muralha da luz vermelha e
a onda alveja a rocha ao pé da muralha
e eu vejo tudo e almejo e desejo o que
não vejo agora. E velo esse desejo que não vejo.
E todos os músculos do corpo doem no corpo inteiro.
Uma vez, pois, que pedalo o dia inteiro pelo Rio de Janeiro. 

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

LAGOA RODRIGO DE FREITAS




Lagoa Rodrigo de Freitas
(Carlos Pedala)

Depois da chuva as ruas ficam limpas e secas.
O gato grita e o grito ecoa
nas janelas dos apartamentos da Lagoa.
O sabiá canta enquanto o dia se anuncia.
E o dia cheira a comum metafísica das coisas.
E tudo, sim. Todo o conjunto inteiro de tudo cabe
no infinitivo
um.
Um que há é o um do instante que já
não há e continua sendo sempre um, eternamente.
Como o giro da roda da bicicleta no entorno dela.
Mas uma dor nas costas me atormenta.
E afugenta pássaros e peixes para longe.
E o gato grita e o grito ecoa nas margens da Lagoa Rodrigo de Freitas. 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

OUTROS NAVIOS




Outros Navios
(Carlos Pedala) A Castro Alves

Oh, estamos em pleno Rio de Janeiro!
Vejo acima um céu tão lindo!
Ao lado o verde-azul tão belo!
Estoura doido em espumas alvas!
Enquanto a brisa alisa na areia os castelos,
Ao sol, as meninas seminuas iguais aos Tupinambás!

Os carros passam fechados. Pessoas tristes,
Caladas. Ensimesmadas em seus mundos!
Aprisionadas in statu quo ante bellum...
Outrora crianças alegres, vivendo vidas felizes...

Agora, seguindo essa corrente, esses elos!
De um trânsito engarrafado. Tristes, infelizes,
Parecem por Deus esquecidos!
Não me veem a um passo, andando de bicicleta,
Tratando da saúde, buscando o merecido:
a vida completa!

Esse é o Novo Mundo porque tantos tombaram?
Andrada! Arranca esses automóveis dos lugares!
Colombo! Fecha as portas desses males!

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

RUA DO OUVIDOR




Rua do Ouvidor
(Carlos Pedala) Para o camelô Cesar que vende flores

O poema não tem propósito.
Logo, os poetas são tão inúteis como as flores.
Talvez é a palavra na qual embasam
Teses. As incertezas são
Asas onde seus pássaros pousam.

Andar de bike, por outro lado, é divertido.
Almejar atingir o sublime, fugir do mundo.
Buscando na superfície o profundo,
Buscando a beleza no céu dos arranha-céus.

Andar de bicicleta em dias lindos
É melhor proveito.
Seguir em linha reta na Rua do Ouvidor.
Sim, em invisíveis linhas.
Talvez, em impossíveis pedais
Atravessar ilusões reais. 

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

FORMIGA




Formiga
(Carlos Pedala)

O repetido piscar de olhos, as luzes acesas.
É noite, as plantas dentro dela em silêncio
esperam e a claridade me cega.
O silêncio empreguina-se nas coisas, cobertor invisível,
cobertor denso.
Incomodado, esmago formiga no canto da tela,
sem piedade, sem pensar em nada,
apenas o remoço por ser tão próximo dela.
E logo não é mais nada, além de restos.
A força que existia ali vai embora.
Agora, apenas mancha.
Agora, não mais esta.
Passarei um pano quando for
limpar a bicicleta,
passarei por ela quando em outras ciclovias. 

domingo, 16 de setembro de 2012

PONTO DE VISTA




Ponto de vista
(Carlos Pedala)

As bicicletas vão ritmadas.
Os pedais no mesmo compasso.
Atravessam caminhos, vias, rios
delgando formas, construindo poesia.

Por onde passam, há alegria.
Não há chuva, não há dias frios.
Vão em cores através dos vales,
ou, quem sabe, na orla da Cidade.
Sim, porque não? Paralelo ao
mar, às areias, ao calçadão de Copacabana.

O Sol se abre acima dos telhados,
esparramando-se inteiro.
Do Vidigal avista-se o Oceano Atlântico.
Não importa quem, quer seja o poeta,
quer seja o traficante de AR-15 automático que veja. 

sábado, 15 de setembro de 2012

DESEJANDO




Desejando
(Carlos Pedala)

Não, não sei de nada.
Apenas ando de bicicleta por
ciclovias mal feitas e paro em
calçadas. Pessoa deserta.

Dessas que se encontra na fila
dos supermercados, desfeita de sonhos,
ou simplesmente desfeita.

Mas, mesmo assim, continuo
dando passos, um pé
na frente do outro, trocando
gases com a atmosfera,
receoso das ameaças externas
e do crescimento da China.

Desejando diante do espelho,
Desejando outro rosto. 

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

COMUNICAÇÃO





Comunicação
(Carlos Pedala) Para o Facebook

As palavras transportam cargas
empacotadas em significados,
em sentimentos transferidos.
Desde tempos tão antigos,
mas o roçar nas línguas não
causaria atrito ou certo
desgaste? Feito o pneu da bicicleta no
concreto, no calçamento de pedras.

Talvez, esse resvalar nas paredes do infinito,
acrescente possibilidades de sentidos,
mesmo quando incompreensível o que é dito
tem algo de verdade inconteste.
Mesmo quando inaudível,
fica o exemplo da passagem
do que não poderia ser transmitido. 

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

ANTIGAS BICICLETAS




Antigas bicicletas
(Carlos Pedala)

Abro o livro esquecido dentro do sebo.
O gato se aproxima e se espreme em
mim. Finjo não vê-lo.
Primeiro saltam as letras, logo, as palavras
e o poema se projeta, respira livre.

Sobre ele pesam os anos, a sintaxe
é antiga, talvez, morta. A formação dos
fonemas e a forma como foi escrito
dizem mais do que é dito. Procuro ler
nas entrelinhas. Lá alguém conta sobre
andar de bicicletas em horas findas.

É assim, desde a invenção da escrita.
O poeta se debruça sobre a folha branca,
feito amantes estreitando os corpos.
Para gozo e deleite próprio.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

TROCADOS




Trocados
(Carlos Pedala)

Os navios se cumprimentam num longo
apito, ou em lamento. Um partindo, outro
chegando na Baía de Guanabara ou no
imaginário mar de Guadalajara?

De fato, a única coisa concreta é o vento
ou seria o barulho dos carros? As bicicletas
são lentas e emitem fragmentos de pedras.

Disfarço os sonhos, dividindo-os em pedaços.
E o tempo em milionésimos de tempo,
encurtando o espaço dentro do espaço.

Atônito, me divirto vendo o alumínio
das latas de Coca-Cola sendo amassado
com ódio. Coloco pontos no lugar certo.

Distraído, perco dinheiro
por não trazer trocados no bolso. 

terça-feira, 11 de setembro de 2012

VAZIO




Vazio
(Carlos Pedala) Baseado em “Ausência” de CDA

No lento passar das bicicletas, pensara o não-ser como sinônimo de vazio.
Lamentando, sem saber, o vazio.
Agora, não o lamento.
Não há vazio no não-ser.
O não-ser sou eu (inconcebível).
E percebo-o, invisível, impregnado, dentro do peito.
Tanto que me felicito e pulo e descortino expressões sorridentes.
Pois o não-ser, esse não-ser inteiramente,
me completa.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

DE BICICLETA




De bicicleta
(Carlos Pedala)

Palavras soltas, asa de gaivota aberta
pairando no céu, promessa à toa.
Musa nua, cheiro de mar, maresia,
bandeiras colorida na praia
bola flutuando no olhar

Bicicletas, porto de partida na via,
giro do pedal.
Samba de Martinho da Vila no Carnaval.
Vento e castelos de areia.
Crista da onda, cristal.
Praia cheia.
Feriado nacional.

Tanta gente existindo,
Tantas palavras sendo ditas,
E a gente às vezes tão sozinho.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

NO ELEVADOR




No elevador
(Carlos Pedala)

Por um instante, no elevador, subindo,
vislumbro os que por ali passaram
(prédio antigo): recém-nascidos,
novos casais, crianças da escola vindo.

Durante anos e anos, descendo e subindo.
As relações humanas se desenhando.
Desejos realizados em riso, frustações em
choro contido. Agora, só eu e a bicicleta.

Atravessamos andares e portas
Imaginando os sonhos, os gozos, as dores,
e os poetas que por ali passaram.

O tempo transcorrido deixou suas marcas:
rugas nas mulheres, tristeza nos homens, pó
nas paredes. Não, não vejo coisas nem escuto
vozes. Apenas o cheiro humano em tudo. 

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

PAISAGEM




Paisagem
(Carlos Pedala) Para Raulino Oliveira

Na Baía de Guanabara o sol brilha
espelho no espelho d’água.
Bem cedo, quando a manhã é inteira,
forçando-nos a fechar os olhos para vê-la.

As mesmas manhãs são sempre mais
claras dos mesmos lugares das janela.
Já a polpa do mamão papaya é laranja, da mesma cor
quando da infância. Há coisas indizíveis,
guardadas em compartimentos
cá dentro: o primeiro instante
em equilíbrio na bicicleta,
do andar livres de tudo que nos cerca.

O sol no Rio de Janeiro é justo e a paisagem
bela e, no Flamengo, na Rua Rui Barbosa,
Uma voz clama por mais sol e paisagens ainda mais belas. 

BICICLETÁRIO




Bicicletário
(Sylvia Ripper) Para Carlos Pedala

Um bicicletário
é uma berçário 
de poemas

Afinal,
o que é a bicicleta,
senão a roda partida em dois
do poeta?


terça-feira, 4 de setembro de 2012

VERSO LIVRE




Verso livre
(Carlos Pedala)

Busco me encontrar em mim
Por distinto que possa parecer.
Perdi-me em mim em algum lugar.
Não sei onde foi o desencontro.
Mas, assim, do nada, eu não estava
mais em mim. Sei o quanto isso é
comum. Posto que se perder é
pressuposto do reencontro.
De quem é ensimesmado em si.
Como rodas de bicicletas a girar
para dentro do seu próprio corpo,
sendo plenas em equilíbrio,
quando no girar-se para si.
Do mesmo modo é o verso livre,
só feito verso no poema solto. 

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

MEDALHA DE OURO




Medalha de ouro
(Carlos Pedala) Para Alarico Moura

Amarelo é cor da manhã
De onde vejo o Rio de janeiro
E raios proferidos de
nuvens perdidas.
Quem tudo tem da vida?

Amarelo é a blusa dos ciclistas
pedalando feito correnteza.
Logo, sou um deles em passeio
Um aspecto se aproxima ruim,
Atrapalha, suga energia em mim

Amarelo é o Medalha de Ouro.
Persista! Continue! Ouça a voz que
nunca cala. Após tantas ciclovias 
encontro-o (Alarico Moura) num abraço.
Fala de anjos e bicicletas.  E a gente ri.  

domingo, 2 de setembro de 2012

POESIA




Poesia
(Carlos Pedala) Para Claudia Barros

O que o poeta faz é verso.
A semente que aflora é muda.
A alegria que se cala é triste.
A tristeza que se diz é linda.

As letras nas pontas dos dedos
para serem digitadas na tela,
saídas do que não é nada.
Talvez, brinquedo feito bicicletas
nas luvas e pés dos atletas.

Já a poesia vive pelos cantos.
Espalhada pelos planetas.
E mesmo nos confins do universo,
não há como aprisioná-la,
nem fazê-la fria, nem a cultivando
por estéreis ciclovias.  

sábado, 1 de setembro de 2012

EPIFANIA




Epifania
(Carlos Pedala) Para Rosane Bezerra

O sol era aonde íamos.
Ele era nosso único caminho.
Mas sabíamos das ervas daninhas
e sabíamos do tempo no escaninho.

De repente, tudo se encaixa.
E tudo que era se revela,
feito epifania, feito Primavera.
Feito quando era como a gente era.

E era só verdade o que vivíamos.
Mesmo que sempre fantasia.
Sonhar com bicicletas, sonhar com
ciclovias. Feito as certezas das dúvidas
que sentíamos. Dos silêncios que
ouvimos e dos amigos que abraçaremos
apenas em outras sintonias. 

LUA AZUL




Lua Azul
(Carlos Pedala) Para Sylvia Ripper

Duas luas cheias é coisa rara.
Nas eternas madrugadas ouço
a velocidade dos motores combustíveis.
Percorrendo distâncias que
de certa forma não são minhas.

Mas duas luas cheias é coisa rara.
Nas horas em que acordo, o luar
esparrama-se na mesa da cozinha.
Lá em cima está ela, parada, nua, sobre
a cobertura da vizinha. Eu olho. Ela espia.

Mas duas luas cheias é coisa rara.
Se em outros planetas, não seria.
Porém, da Terra é que se fala, é rara.
Se estivéssemos em Plutão,
em outras ciclovias, o silêncio se faria.